Sexo e Espiritualidade
domingo, 14 de novembro de 2010
Mais do que nunca, a relação entre sexo e espiritualidade vem sendo discutida pelas mais variadas vertentes espirituais, religiosas e esotéricas do mundo. Para falar um pouco sobre o assunto, conversamos com o professor de yóga Claudio Duarte, com a bruxa wicca Marília de Abreu e com o espírita Wlademir Lisso.
Por Gilberto Schoereder e Alex Alprim
Antes, espiritualidade ou religiosidade, e sexo, estavam intimamente conectados. A seguir, não estavam mais, e era até mesmo proibido. Depois, estavam novamente.
Explicando melhor, quando as primeiras manifestações espirituais surgiram em nossa civilização, segundo nos explicam os especialistas no assunto – paleontólogos, mitólogos e historiadores, entre outros – elas estavam diretamente relacionadas com os ciclos da natureza e da terra. É daí que surgem as chamadas religiões ou cultos da Mãe-Terra. Fertilidade era a palavra de ordem, e não se faziam rituais de fertilidade sem a presença do sexo, real ou mascarado por simbologias.
Praticamente todas as religiões pagãs – ou que assim foram chamadas posteriormente –, introduziam (sem trocadilho) o aspecto sexual nos rituais, e existem registros científicos de que isso ocorria em toda a Europa, Ásia, África, Oceania e Américas.
As coisas mudaram com o desenvolvimento do cristianismo, e mais especificamente do catolicismo, que escondeu o sexo sob as batinas e tornou-o um ato impuro ou sujo, estendendo esse ponto de vista a toda a população. A castidade, o resguardo com relação ao sexo, ao ato sexual, ao casamento etc. é algo que existe também no Oriente, mas não é estendido à população em geral, aos seguidores ou fiéis, permanecendo como uma opção dos praticantes. No Ocidente cristão, as regras com relação ao sexo criaram momentos obscuros da história e, de certa forma, se estendem até os dias de hoje, quando a Igreja continua a manter uma postura quase medieval com relação a alguns aspectos da vida sexual.
A transformação se efetivou, em especial na Europa, quando a Igreja Católica demonizou alguns deuses e rituais pagãos importantes. É o caso dos rituais ligados a Baco, por exemplo, que passou a ser relacionado com o diabo. Bacanal, que era uma festa religiosa, passou a ser uma palavra associada à permissividade, à falta de religiosidade ou de espiritualidade.
No entanto, mais recentemente, as preocupações sexuais voltaram a estar na ordem do dia, mais precisamente com o desenvolvimento dos pensamentos vinculados ao que foi chamado de Nova Era. Na verdade, parece que isso começou a se tornar popular nos anos 1960, com o movimento hippie, com as celebrações coletivas e públicas, e a transformação dos hábitos sexuais nos países ocidentais, até então presos à castração cristã.
Os cultos pagãos renasceram e, com isso, a discussão do sexo relacionado com a espiritualidade ganhou um novo ímpeto e profundidade (mais uma vez, sem trocadilho).
Hoje em dia, com raras exceções, considera-se que sexo e espiritualidade estão inevitavelmente conectados. Marília de Abreu – coordenadora da Wicca Cia das Bruxas e estudiosa das antigas religiões da Terra – diz que, numa visão espiritualista, considera-se o corpo como a manifestação física da alma, de modo que tudo o que ocorre com ele interfere na espiritualidade. Dessa forma, a união entre sexo e espiritualidade se dá nos planos sutis que ligam a matéria ao espírito. "Energeticamente", explica Marília, "um afeta o outro; a sexualidade sadia faz bem à espiritualidade, e a corrompida, atrasa. Quando a sexualidade é reprimida, o mais comum é que se expresse de forma corrompida".
Para Claudio Duarte – conhecido professor de yóga, fundador da Universidade Aberta de Yóga, presidente do Congresso Mundial de Yóga e presidente da Associação Brasileira de Yóga – a relação sexual sempre deveria ser precedida da relação espiritual. "No entanto", ele explica, "num mundo corrompido pela falta de sentimentos verdadeiros e carregado de materialismo histórico e também mundano, a cada dia, mais e mais as pessoas perdem a noção de que sexualidade só pode existir, realmente, se acompanhada de sentimento espiritual. Pois se não for assim, o que existe é uma pura relação carnal, desprovida de sentimentos e de sentido".
Segundo Claudio, a união ocorre entre a espiritualidade e o sexo, "pois é daquela que nasce o sentimento puro deste. Não é possível haver sexo sem espiritualidade, pois este é o princípio da cosmogênese, mesmo em outras regiões do universo".
O espírita Wlademir Lisso – diretor da área de Assistência Espiritual da FEESP (Federação Espírita do Estado de São Paulo) – diz que uma das dificuldades dos espíritas no entendimento do sexo é o conceito de sexualidade que, na visão espírita, assume dimensões universais, uma vez que define a força sexual como a base de criação do espírito em todos os planos de vida. "A ignorância", diz Wlademir Lisso, "leva a concentração da idéia de sexualidade apenas na sua manifestação no ato sexual, do ponto de vista biológico, restringindo desta forma a um comportamento específico a função cósmica da sexualidade como força criadora do espírito".
Lisso explica que, segundo os Espíritos explicaram em O Livro dos Espíritos – um dos livros básicos do Espiritismo – os espíritos não têm sexo, uma vez que os sexos dependem da constituição orgânica. Ao falarem isso, estão se referindo à visão limitada de sexo que desenvolvemos quando encarnados, concentrada no ato biológico e com preponderância do erotismo. No entanto, à luz da Doutrina Espírita, e conforme o espírito André Luiz explica em Missionários da Luz, o sexo é manifestação cósmica em todos os círculos evolutivos, "até que atinjamos o campo da harmonia perfeita".
"O condicionamento criado pela mídia", diz Lisso, "leva-nos a situar o sexo exclusivamente nos órgãos sexuais. Entretanto, o sexo nesse sentido restrito é apenas uma das inúmeras manifestações da energia sexual".
As perseguições que o sexo sofreu por algumas religiões ao longo da história foram, segundo Claudio Duarte, devido à má-fé. Para o professor de yóga, as religiões que agem dessa forma contrariam "os princípios divinos contidos nos livros sagrados que elas mesmas fingem seguir, mas que só seguem no que lhes convêm comercialmente, ou no que lhes interessa para atrair incautos fiéis, presos à fé cega e sem uma verdadeira visão sobre o que é a verdadeira religiosidade, que deveria ser tanto o princípio de tais religiões quando dos fiéis".
Para Marília de Abreu, essas perseguições não se limitam ao sexo, "mas a todas as formas de experimentarmos um contato com um universo imaterial. Explicando melhor, no sexo, o orgasmo já foi chamado de 'pequena morte', porque nele temos uma experiência de neutralizar a ação do ego e percebemos a integração com outra pessoa; na morte, vivemos a interação com o mundo invisível, e nas técnicas xamânicas e na magia também abrimos os canais para essa experiência. Por isso, as bruxas foram perseguidas; por isso, o sexo era tabu: não era conveniente que o sagrado fosse acessível às pessoas".
Wlademir Lisso entende que as perseguições foram uma forma utilizada para se manter o "pecador" sob controle, inclusive explorando as tendências sexuais para a venda de benefícios, como as indulgências, o que criou um condicionamento cultural que se estende até nossos dias. Ainda assim, ele lembra que o sexo foi tratado de forma diferenciada pelas várias civilizações. "Na Grécia antiga", ele observa, "havia uma visão mais liberal, inclusive no que se refere à homossexualidade, embora já se observasse nessa civilização o preconceito com relação aos homossexuais do sexo masculino que tinham trejeitos femininos. No Ocidente, a religião que adquiriu predomínio foi o catolicismo, que se desenvolveu no sentido de manter os adeptos sob controle". As coisas só começaram a mudar, explica Lisso, no século 19, quando o assunto passou a ser abordado na psicanálise.
Claudio Duarte lembra que o sexo não ajuda em nada no desenvolvimento da espiritualidade, mas sim o contrário. É a espiritualidade que pode gerar o verdadeiro amor e o verdadeiro sexo; sem ela, a própria raça humana perde o significado. "Aliás", diz Claudio, "é o que estamos presenciando no momento, nesta transição da Era de Kali, já que o homem se tornou uma besta-fera, volta apenas para a busca materialista e não para a busca de suas necessidades. Por conta disso, pratica o sexo somente como algo carnal, quando na realidade o sexo deve ser amoroso e espiritual".
Para as bruxas, segundo nos explica Marília de Abreu, é importante, primeiro, definir o que seja evolução espiritual. "Para nós, bruxas", conta Marília, "evoluir é cumprir nosso propósito de alma. Toda ação que nos leve a isso contribui para a evolução; tudo o que nos desvie desse propósito prejudica nossa evolução. Em tese, quando estamos no caminho dessa realização, aparecem espíritos afins que favorecem esta evolução, e não só em relacionamentos sexuais". O que acontece é que nem sempre estamos sintonizados com o nosso propósito, de modo que podemos ser arrastados para uma "teia de envolvimentos" que nos desviam de nossos objetivos. Nesses envolvimentos pode até haver amor ou afeição – ou assim pode parecer a princípio. No entanto, tudo o que nos desvia de nosso propósito de alma não é verdadeiro e, quando a energia sexual reforça o vínculo, por se tratar de um vínculo físico, ele é mais difícil de se quebrar e de se restabelecer o equilíbrio. "Por isso", adverte Marília, "é muito importante termos critério em nossos relacionamentos sexuais".
Para o Espiritismo, como foi dito, as forças sexuais são a base da criação do Espírito. Wlademir Lisso diz que elas "determinam não só os trabalhos em geral, as obras de todos os tipos – artísticas, científicas, sociais etc. –, como também a permuta de forças positivas entre seres que se amam, através da atuação da lei de sintonia que, a partir dos sentimentos afins, estabelece a ligação entre os seres por exteriorização nas ondas mentais e, conseqüentemente, na ação. O ato sexual, do ponto de vista biológico, é apenas uma das formas de sua manifestação".
A castidade é um tema sempre bastante discutido quando se relaciona sexo e espiritualidade ou religião. Claudio Duarte entende que essa opção se deve, provavelmente, a alguma questão dogmática ou obscurantista ligada à personalidade da pessoa. "O sexo", ele diz, "faz parte da própria natureza divina e humana, e reprimi-lo pode gerar distorções de comportamento".
Marília entende que, "na interação energética entre duas pessoas de diferentes níveis de espiritualidade, o mais evoluído sempre sai perdendo. Para nós, bruxas, a castidade pode ser uma escolha, mas não a única".
Estudioso do assunto, Wlademir Lisso diz que "a castidade envolve a sublimação do sexo, ou seja, redirecionar as forças sexuais criadoras para outras atividades que não a prática do ato biológico do sexo. Sublimação, no sentido de se direcionar as forças sexuais para criações em outros planos, depende de educação, e é alternativa válida, não obrigatória, seja para heterossexuais, seja para homossexuais. Entretanto, trata-se de processo de educação, já que temos as experiências desastrosas da sublimação imposta na religião, gerando os estupros e a pedofilia por toda parte. A alternativa para a sublimação, em todos os casos, é o sexo praticado com responsabilidade e respeito, seja heterossexual ou homossexual, já que, como cita André Luiz, não deixa de ser também uma fonte transitória de prazer, e todos temos o direito de sermos felizes, apesar das diferenças".
Igualmente polêmica é a questão da masturbação, que já foi até mesmo considerada pecado. Para Claudio Duarte, além de ser um processo fisiológico, a masturbação também serve como um veículo muitas vezes necessário para o bom equilíbrio do comportamento sexual, social e da própria personalidade, desde que guardados os limites da satisfação das necessidades e da moderação.
Marília alerta que, segundo o ponto de vista da wicca, "embora a masturbação possa ser usada como uma forma de liberação da tensão sexual e, assim, inofensiva, ela também pode ser usada como um ato de magia, criando um elo no astral, ligando duas pessoas, uma involuntariamente. Assim praticada, é um rito de magia negra, pois interfere sem permissão e prejudica a evolução espiritual".
Wlademir Lisso diz que, "segundo especialistas, a masturbação é a forma de sexo mais praticada no mundo por homens e mulheres. Do ponto de vista espiritual – e por ignorância – citam-se processos de obsessão, com o que não concordamos absolutamente, por se tratar de manifestação da 'fantasia' que trazemos na memória. O fato é que todas as manifestações do sexo – a própria ciência conclui – iniciam-se no cérebro – para nós, no Espírito –, até se manifestar nos órgãos sexuais, e as fantasias estão presentes em todas as formas de sexo".
"A masturbação hoje", prossegue Lisso, "é vista como forma de liberação de partículas orgânicas que, se não liberadas, podem até trazer prejuízos à saúde. Como forma de sexo, cabem as mesmas regras para o sexo em geral, que são o controle e equilíbrio na sua prática, para que não se transforme em vício, gerando dispersão da força criadora espiritual".
No que diz respeito à homossexualidade, outro assunto que sempre vem à tona quando se fala sobre sexo e espiritualidade, Marília de Abreu ressalta que o espírito não tem sexo. Dessa forma, para a evolução, o que continua importando é a realização do propósito de alma, e não o direcionamento sexual. Claudio Duarte também entende que a homossexualidade não tem qualquer papel num quadro de desenvolvimento espiritual, uma vez que esta é "uma questão de outra natureza, que nada tem a ver com desenvolvimento espiritual, e que ainda nem foi pesquisada e estudada a contento, muito embora seja parte da transição da Era de Kali".
Wlademir Lisso diz que a ciência, em geral, busca explicações sobre a homossexualidade, sem encontrá-las seja na genética, sociologia ou psicologia. "À luz do Espiritismo", ele explica, "as causas do homossexualismo, em todas as suas formas, são diversas".
Importante, ele diz, é que em relação à diversidade, é fundamental compreender o relacionamento com pessoas que sentem, pensam e se comportam de maneiras diversas das nossas, o que não significa que estejamos certos e as demais pessoas estejam erradas. "Há sempre acertos e erros. [...] Aos espíritas cabe negar os preconceitos sem medo. André Luiz, em Sexo e Destino, esclarece que '... no mundo porvindouro, os irmãos reencarnados, tanto em condições normais quanto em condições julgadas anormais, serão tratados em pé de igualdade no mesmo nível de dignidade humana'. Alerta que se trata de '[...] erro lamentável supor que só a perfeita normalidade sexual, consoante as respeitáveis convenções humanas, possa servir de templo às manifestações afetivas', e convida o indivíduo a fugir das aberrações e dos excessos que podem ser praticados seja qual for a forma de comportamento sexual – heterossexual ou homossexual".
O mais importante em tudo isso é que, em qualquer relação entre seres humanos, o fundamental é o respeito mútuo, a fidelidade, a sinceridade, a paciência, a dedicação e o amor.
Fonte: http://www.revistasextosentido.net/news/sexo-e-espiritualidade/
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Rafael Rocha
às
11:17
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